Conheça a história da tradução conhecida como Vulgata Latina e de seu tradutor, Jerônimo de Estridão
A Vulgata Latina é a tradução da Bíblia para o latim popular e se tornou a versão mais lida e influente em todo o mundo. Ela é a obra de um homem muito erudito que, segundo as histórias em volta dele, teve a ilustre companhia de um leão.
Conheça essa incrível história de um homem que, embora tenha uma vasta obra literária, impactou o mundo pela tradução que fez do livro mais extraordinário de todos os tempos!
Jerônimo, um grande erudito e fanfarrão
Jerônimo nasceu em Estridão, na Dalmácia (onde hoje é a Croácia), por volta da primeira metade do século IV. Ele nasceu em uma família cristã nobre e muito rica.
Quando alcançou idade própria, o jovem Jerônimo foi estudar em Roma, a capital do Império. Lá, teve contato com os melhores professores de seu tempo, e foi excelente aluno. Nesse tempo, estudou retórica, oratória, filosofia, latim e grego.
Apesar de tanto estudo, também se juntou aos seus amigos da capital e caiu na farra, vivendo uma vida que não condizia com sua fé, que lhe trouxe muitos arrependimentos futuros.
Por volta de 373-374, Jerônimo teve um sonho que mudou o rumo de sua vida. Nesse sonho, ele estava sendo julgado em um tribunal no céu, e lá, Jesus Cristo o acusava, dizendo:
“Você não é cristão, mas ciceroniano!”
No sonho, Jesus referia-se à produção acadêmica de Jerônimo, que era toda secular. Então, recebeu instruções para se dedicar a estudar a Bíblia.
A partir daí, Jerônimo mudou de vida. Finalmente se batizou, passou a se dedicar ao estudo das Escrituras e foi ordenado.
Em Roma, se destacou nos concílios da igreja de tal modo que ganhou a confiança do Papa Dâmaso I, sendo convidado para ser o seu secretário.
Jerônimo, um eremita
Ainda em Roma, Jerônimo tinha o estranho hábito de frequentar as catacumbas dos mártires e dos apóstolos. Lá, ele buscava decifrar os escritos em seus túmulos. Além disso, enquanto contemplava as catacumbas, lembrava-se dos horrores do inferno.
Também, algumas vezes, devido à sua vida de pecados anterior, Jerônimo retirava-se por muito tempo, vivendo em desertos e cavernas, a fim de lutar contra as tentações da vida. Nesses períodos, ele se dedicava à oração, ao estudo da Palavra de Deus e ao jejum.
Foi em sua estadia no deserto de Cálcis, por exemplo, que aprendeu o hebraico, através de judeus convertidos ao cristianismo.
Os últimos 35 anos de sua vida, Jerônimo passou em uma gruta, em Belém, próximo à gruta do presépio, provável lugar do nascimento de Jesus.
Por esses hábitos de eremita, Jerônimo costuma ser retratado ao lado de um crânio, que representa a morte para o mundo e para os prazeres da vida.
Jerônimo e o leão
É muito comum também encontrar, nas iconografias antigas, Jerônimo retratado junto de um leão. Isso devido a uma história lendária sobre ele.
Diz-se que, certa vez, ele estava em um monastério quando se aproximou um leão andando com uma das patas levantadas. Enquanto todos os monges correram, Jerônimo se aproximou do felino. Viu que o animal tinha um espinho encravado em sua pata, e tratou de tirá-lo.
O leão, agradecido, tornou-se manso junto do sacerdote, e passou a acompanhar o tradutor como um animal de estimação.
Jerônimo e a tradução da Bíblia para o latim
Finalmente, vamos à história da tradução da Bíblia.
Voltando a Dâmaso I, em 382, o Papa encarregou Jerônimo, primeiramente, de revisar uma tradução parcial do Novo Testamento para o latim. Esses trechos da Bíblia eram chamados de Vetus Latina. Dizia-se que essa tradução não era fiel aos textos gregos.
Junto desse trabalho, Jerônimo também revisou os Salmos, que até então tinham sido traduzidos da versão grega do Antigo Testamento, a Septuaginta. Sua tarefa, então, era fazer uma tradução pelos manuscritos hebraicos.
No entanto, pouco tempo depois, seu protetor Dâmaso I, morreu.
Devido à luta contra os pecados da nobreza de Roma, Jerônimo acumulou muitos inimigos. Por isso, logo que o Papa morreu, trataram de espalhar calúnias e acusações contra ele.
Assim, em 385, Jerônimo fugiu de Roma.
Após algumas peregrinações, entre a Terra Santa e o Egito, finalmente se estabeleceu em Belém, em um monastério.
Ali, na Terra Santa, patrocinado por uma rica aristocrata chamada Paula, ele aperfeiçoou o hebraico e pôde completar a tradução para o latim mais popular, diferente do latim mais erudito de Cícero. Por isso, sua grande obra foi chamada de Vulgata (língua vulgar) Latina.
Jerônimo morreu em 420, anos 73 anos, em Belém.
A Vulgata Latina na história
A Vulgata Latina foi o primeiro texto da Bíblia a ser traduzido completo dos originais grego e hebraico. Antes dela, a igreja utilizava a Bíblia em grego.
Além da tradução dos textos bíblicos, a Vulgata traz ainda os livros considerados apócrifos, além de prólogos aos livros da Bíblia. Nesses comentários, por exemplo, Jerônimo defende a autoria de Paulo para a carta aos Hebreus.
No início, a Vulgata não foi bem aceita pela igreja. Alguns anos depois, porém, a fidelidade da tradução foi aos pouco reconhecida, até se tornar tradução oficial da Igreja, sendo usada e lida em todo o mundo ocidental por mais de 1000 anos!
Além do mais, a Vulgata de Jerônimo foi o primeiro livro impresso da história, saído direto da prensa de Gutemberg, em 1456.
Em 1546, a Vulgata foi novamente reconhecida pelo Concílio de Trento como a Bíblia oficial da Igreja Católica Romana. Após o concílio, foi feita uma nova revisão da tradução. Daí veio a edição conhecida como Vulgata Clementina.
Em 1965, após o Concílio Vaticano II, uma nova revisão é iniciada, sendo concluída em 1975. Essa nova revisão foi chamada de Nova Vulgata.