“Desse modo vocês, seus filhos e seus netos temerão o Senhor, o seu Deus, e obedecerão a todos os seus decretos e mandamentos, que eu lhes ordeno, todos os dias da sua vida, para que tenham vida longa” – Dt.6.1
O conceito de linhagem é muito caro à fé cristã. Para compreendê-lo melhor, a Rússia nos traz uma história muito graciosa.
Matrioskas são bonecas da tradição russa, feitas de madeira cujas “filhas” se encaixam uma dentro da outra.
A lenda mais conhecida sobre a origem das matrioskas narra a história de Seguei, um carpinteiro russo que talhou uma boneca de madeira tão bonita que não quis vendê-la, deixando-a para enfeitar sua oficina. Todos os dias, ele a cumprimentava, e a boneca respondia, e desenvolveram amizade.
Um dia, Seguei percebeu que Matrioska estava triste, e ela confidenciou que desejava ter um filho.
Seguei disse que para talhar um filho para ela, ele teria que machucá-la por dentro. Assim, de dentro de Matrioska, Seguei talhou Trioska.
Os dias passavam e Trioska também ficou triste por não ter um filho, e Seguei talhou-lhe Oska. Quando Oska também desejou um filho, Seguei, uma última vez, talhou dessa vez um menino, e o chamou Ka. Assim, ele colocou Ka dentro de Oska, Oska dentro de Trioska e Trioska dentro de Matrioska.
Essa singela história russa nos faz tirar muitas reflexões sobre a maternidade. Poderíamos falar desse vazio existencial da mulher, que é o seu desejo por ser mãe, que a faz transpor até mesmo o vale de dor profunda. No entanto, gostaria de pensar um tema específico que essa história traz à luz, uma significado profundo que pouco a pouco tem se perdido: o conceito de linhagem.
Infelizmente, esse tem sido um conceito perdido. Os nossos sobrenomes não significam nada mais para nós. Nós não conhecemos a história dos nossos avós e nem as transmitiremos aos nossos filhos. No entanto, esse conceito de linhagem é o mais incrível e um dos entendimentos mais bíblicos a respeito da família.
O entendimento de linhagem nos faz pensar a longo prazo, o que é um golpe em nossa cultura imediatista. O conceito de linhagem me leva a pensar que, o sacrifício de hoje, tendo filhos e se dedicando em sua educação, terá resultados três gerações seguintes. Os nossos bebês não são os nossos adornos sociais, mas sim as sementes da geração seguinte. Para um cristão isso é fundamental.
“Esta é a lei, isto é, os decretos e as ordenanças, que o Senhor, o seu Deus, ordenou que eu ensinasse a vocês (…) Desse modo vocês, seus filhos e seus netos temerão o Senhor, o seu Deus, e obedecerão a todos os seus decretos e mandamentos, que eu lhes ordeno, todos os dias da sua vida, para que tenham vida longa. (…) Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” – Dt.6.1-7.
O Senhor resgatou o seu povo para que seu povo testemunhasse sua santidade nesta geração perversa. Deus não nos chamou para sermos felizes e usufruirmos dos frutos desta terra, primordialmente. Deus não nos chamou para sermos amados e termos famílias amadas pela sociedade, nos moldes da cultura burguesa. O Senhor nos chamou para testemunharmos sua santidade.
A ordem a respeito de ensinarmos os nossos filhos nada tem a ver com ter filhos obedientes, filhos que nos tragam honra, que sejam bem sucedidos socialmente, mas sim para que testifiquem da santidade de Deus para as gerações seguintes.
Se Israel tivesse obedecido, não precisariam ter sido resgatados da Babilônia, pois o resgate do Egito já lhes era sinal suficiente para temerem ao Senhor. Se nós obedecermos a Deus, os nossos filhos serão lançados no mundo e nas eras com a semente do evangelho e da santidade de Deus que cultivamos na vida deles.
O grande alvo da paternidade não são filhos com bochechas rosadas dizendo gracejos que fazem as senhoras da igreja sorrirem. O alvo final da paternidade é ver meus filhos levando meus netos para o batismo. Quando os meus filhos estiverem diante da igreja, prometendo transmitir a Aliança com Deus para seus netos, enfim, pensarei, fui um pai bem sucedido. Os meus filhos estão transmitindo a Aliança com Deus para as gerações seguintes. E lá na frente, os filhos dos meus netos terão traços de vivência cristã semeados desde o berço de meus filhos. E Jesus será exaltado de geração em geração!
As matrioskas nos ensinam algo surpreendente. Há mais dentro de nós e de nossos filhos. O ventre materno é uma máquina do tempo e uma encubadora da sabedoria e da piedade humana. Dentro de Matrioska havia gerações e gerações.
Quando olhamos, emocionados, aquela criança se movendo e se desenvolvendo no ultrassom, para além do bebê que encantará o quarto que estamos decorando para ele, há nele, dentro dele, a geração seguinte. Ele irá alcançar um tempo em que eu não irei. Mas a sabedoria e a piedade que eu semear em seu coração, sim.
Hoje, minha esposa está grávida de minha primeira filha, Ana. Ponho minhas mãos sobre a matrioska, sentindo os primeiros chutes de trioska, e oro: “Pai, aqui há uma menina que eu dedico ao Senhor, mas não sei quantas meninas e meninos há dentro dela. O Senhor sabe. Coloca teu nome em todos eles. Imprime a imagem do Teu filho nos filhos, dos filhos dos filhos dos meus filhos. Amém”.