O advogado, em seu carro numa rua congestionada, pensava no filho adolescente com quem há 2 dias se desentendera. O filho foi embora sabe-se lá para onde. Naquele momento o pai não sentia remorso, mas raiva do filho que não o compreendia. A família passava por dificuldades, e ele precisava trabalhar cada vez mais.
…e havia uma Bíblia no criado-mudo ao lado da cama.
Estacionou perto da cadeia pública onde seu cliente estava preso. Saiu do carro ainda sem o almoço, o sol a pino, e foi à sala de visitas, passando por um corredor sujo. Caminhou alienado ao encontro do criminoso que ele detestava.
…e havia uma Bíblia no criado-mudo ao lado da cama.
O criminoso o esperava em uma cadeira. O advogado chegou apertando-lhe a mão.
– Está mudado – percebeu o advogado – muito bom. Que aconteceu?
– Ganhei uma nova vida, doutor – sorriu o prisioneiro – lembra-se daqueles crentes no mês passado?
– Virou crente? Isso é bom. Vai ser mais fácil conseguir uma condicional.
– Você não está entendendo, doutor, eu já estou livre. Deus me perdoou por tudo o que fiz. E quer saber do que mais? Deus me usa aqui dentro, quando falo do evangelho.
Estafado, o advogado procurou mudar o assunto:
– Está certo, mas agora vamos falar de coisa séria.
Enquanto o advogado falava, o prisioneiro sorria. Tinha uma paz dentro de si que mal o reconhecia, e isso tirava o sossego do advogado, que se irritou. Reclamou. Como o sorriso não saiu, o advogado esmurrou a mesa e soltou um palavrão.
…e havia uma Bíblia no criado-mudo ao lado da cama.
Saiu de lá e pôs-se no trânsito outra vez, odiando o prisioneiro e os evangélicos que mentiam para ele. “São todos iguais”. O advogado tinha um certo preconceito pela igreja popular do prisioneiro.
Chegou em casa. Sua esposa estava silenciosa na cozinha: haviam brigado, e já era rotina.
Sentou-se na sala, refletindo sobre seu cliente. Então se viu admirado pela mudança do prisioneiro, que estava feliz, diferente do mal encarado e temido que conhecera. “Deus poderia mesmo mudar uma pessoa com a vida tão estragada quanto a daquele prisioneiro?”, pensou.
…e havia uma Bíblia no criado-mudo ao lado da cama.
Foi para o quarto ainda pensativo. Seus problemas voltaram a persegui-lo, e uma frustração do adulto que se tornara o fez triste. Sentou-se cansado na cama, desabotoando a blusa. Relaxou o corpo, abaixou a cabeça, pensativo. Então olhou para o criado-mudo, ao lado da cama…