Era final da tarde e o barco recreio seguia seu rumo subindo o Rio Negro. Dezenas de passageiros já se balançavam nas redes, as luzes estavam apagadas e o som da única televisão sumia diante do barulho rotineiro do motor. O espetáculo do sol se pondo por trás das árvores, colorindo o rio, ia ficando no passado, assim como sumia a única paisagem de toda a viagem: o azul do rio, o verde da floresta e o azul do céu. Nos quatro dias de viagem que fizemos subindo o Rio Negro, navegando mais de oitocentos quilômetros, fomos platéia desta única paisagem, deslumbrante, hipnótica e refrigério para o corpo: o rio refletindo o céu, a floresta refletindo a majestade amazônica e o céu, puro, como foi criado.
Enquanto contemplávamos essa paisagem, dentre os vários bons pensamentos, também pensávamos:
– É muita árvore! É árvore que não acaba mais!
Foram quatro dias, mais de oitocentos quilômetros de árvore. Mas agora estava escuro, a cortina tinha se fechado e o palco estava um breu. O frio noturno fluvial, o silêncio e o motor roncando num mesmo ritmo ninavam todos para dormir. Mas, não sei por que, fiquei um pouco no costado, curtindo o vento e aquela escuridão fantasmagórica do rio.
De repente, parecia que as estrelas tinham caído na mata: um conjunto de pequenas luzes surgiam no meio daquela escuridão, onde antes estava o verde. Eram como chamas de velas, lá longe. Luzinhas iluminando de dentro da floresta.
Eram fogueiras e luminárias no interior do mato, iluminando algum povoado vivendo ali.
Esperei um tempo mais e outro grupo de luzinhas, e mais outro. Se eu passasse a noite a contar quantos povoados surgiam, perderia a conta.
De dia estavam escondidos na mata. Não havia porto, não havia placas, não havia barcos, eles estavam no fundo da mata. De dia, aquelas pessoas que viviam na mata passavam por nós invisíveis, mas de noite se denunciavam na escuridão.
Grupos isolados, com poucas pessoas que se importam com elas; como crente, a pergunta que passava pela minha mente era “Como ouvirão (o evangelho), se não há quem pregue?” Como haveria, se eles mal são vistos? São invisíveis enquanto passamos.
Retornando a São Paulo, volto a me vislumbrar com os inúmeros arranha-céus e construções da cidade. Caminhando pela cidade, penso:
– É muito prédio! É prédio que não acaba mais!
Mas a noite vem, e a escuridão toma conta da cidade. As janelas, no entanto, resistem na escuridão, revelando vidas lá dentro. O que passa por sua mente?